segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Jo Nesbo, que decepção

Não tirei agosto para falar do meu desgosto com as últimas leituras, não! Mas o pior livro do mês foi "Sangue na Neve", de Jo Nesbo, editora Record.
Talvez por ser fã do escritor norueguês com cara de astro de rock (ele tem mesmo uma banda), minha expectativa era bem alta e fiquei desconcertada com a história tão pouco envolvente do assassino de aluguel Olav. Confesso, o livro estava em promoção e era bem compacto, dava para ler junto com outros - acabo tendo uma pilha ao lado do abajur, daí o nome do blog. Mas, acima de tudo, era um Jo Nesbo!
Escrito em primeira pessoa, "Sangue na Neve" envolve o monólogo do bom e cruel Olav, que por um lado se coloca capaz de coisas heroicas e por outro, das mais sórdidas. Só que o personagem, que seria profundamente humano em suas contradições existenciais, é tão superficial que não convence ninguém de nada. Aliás, senti raiva dele por vários momentos, até mesmo nos que Nesbo tenta trabalhar com o passado triste que evocaria lágrimas do leitor, ou ao menos sua compaixão. Comigo não colou.
Pela sinopse, Olav é contratado para matar a esposa adúltera de um traficante de drogas, mas cai de quatro por ela, que nada tem a ver com outra moça, bem menos glamourosa, que o protagonista acaba salvando da prostituição. Entre honrar sua palavra e manter a pele, acompanhamos um Olav fraco e insosso, que se envolve em algumas brigas para caminhar, abatido, para o final comum.
O livro difere dos que eu li não só em peso como em envolvimento. Nos outros, Nesbo se apresentou com um incrível talento para prender a leitura, cruzando informações com maestria. Neste, Nesbo pareceu escrever sob encomenda ou teimar em criar algo muito diferente de seu estilo afiado, mas o molho desandou, passou do ponto. (E pensar que o livro, que na propaganda lidera lista de best sellers, já tem direitos vendidos para virar filme...)
Quem sabe eu quisesse reviver o sabor do investigador Harry Hole em "Boneco de Neve", que tanto me prendeu do começo ao fim. Olav está a anos-luz de Hole, perdido em suas indefinições. Possível querer a empolgação de "A Estrela do Diabo", tão profundo, ou "O Redentor", com suas minúcias. Só sei que foi triste descobrir que até Jo Nesbo derrapa de vez em quando.

"Caixa de Pássaros": melhor fechada

"Caixa de Pássaros", romance de estreia de Josh Malerman, foi vendido como um thriller amedrontador, daqueles de deixar os fãs de terror insones por muitas noites. Por isso comprei. Mas, em que pese a excelente diagramação e o texto fluído, com capítulos curtos, tão fáceis de ler, o livro não me conquistou.
Meu interesse também partiu de a heroína ser mulher e mãe (quantas são, por favor, mulheres bravas que decidem fugir com as crias a tiracolo num cenário cheio de perigos em romances de terror?). Claro que, como mãe, me identifiquei com a proposta, que no final das contas me decepcionou bastante.
Para começar, a história nada tem de nova: num mundo pós-apocalíptico, alguns poucos tentam sobreviver a tragédias provocadas por enigmáticas criaturas vendando os olhos, já que quem as vê enlouquece e comete suicídio.
Neste ambiente vazio e hostil temos a presença da protagonista Malorie que, grávida, é acolhida por um grupo cuja harmonia se desestabiliza com a presença de um novo integrante. Anos depois, a moça e os filhos, um casal de crianças treinadas para viver no escuro, buscam fugir do mal numa canoa para algum tipo de paraíso.
Depois de um ritmo lento, em tempos alternados, quase corremos loucamente nas últimas páginas num esforço sobre-humano do autor em tornar a narrativa mais interessante para novamente desacelerar no final tão previsível.
Além de cenas inverossímeis (mesmo em fantasia, a falta de lógica desrespeita a inteligência do leitor), o enredo parece truncado, batido, sem graça. Nem nos momentos mais altos da leitura consegui sentir frio na barriga; o que tive foram bons bocejos.
Não acho que seja um livro desprezível, mas digo que esteja na triste média daquelas obras escritas para vender. Sem paixão, sem surpresas. Uma pena. Aos amantes do medo, um conselho: nem abram essa caixa.
Como disse, boa mesma só a diagramação (da "Ô de Casa").
"Caixa de Pássaros" foi lançado no Brasil em 2015 pela editora Intrínseca. 

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

"Acabadora"

Um livro simples, mas de uma poesia e uma leveza mais que apropriadas para abordar a finitude e o sofrimento sob um ângulo novo. Assim é "Acabadora", de Michela Murgia, lançado no Brasil pelo selo Alfaguara.
Um vilarejo, uma figura misteriosa, uma tradição.
Na figura de Maria, quarta filha de uma pobre viúva, adotada pela enigmática Bonaria Urrai, entramos na relação simbiótica das duas mulheres. O fio que as une é a costura, porém há algo maior, uma missão, que Maria intui ao desvendar segredos da mãe adotiva enquanto se vê às voltas com seus próprios questionamentos.
Ao longo da narrativa, que ocupa 152 páginas, acompanhamos a evolução da menina a mulher, ao mesmo tempo em que Bonaria vai sendo consumida pelo tempo. A mudança de Maria do vilarejo, seu primeiro amor, o retorno, toda sua trajetória funde-se ao passado da idosa.
Longe de ser uma leitura intensa e vibrante, "Acabadora" é um romance delicado, tranquilo, mas com um ritmo envolvente. Fala de feminino, amor, das subjetividades da vida e da morte, de escolhas e destinos. Acho que "filhos d´alma" foi a expressão que mais gostei, logo na primeira linha.
Um belo trabalho, o primeiro de autora italiana no Brasil.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Prisioneiros do Inverno

Faz frio aqui, acho que uns 16 graus que, para o litoral, é gélido. Com uma caneca de chá ao lado, devorei o livro "Prisioneiros do Inverno" em dois dias, cuja capa é uma paisagem de neve escondendo um casarão sinistro. A obra, da autora Jennifer McMahon, publicada no Brasil pela Record, gira em torno de um mistério na pequena cidade de West Hall e o diário da sua principal personagem, Sara Harrison Shea, encontrada morta (de maneira atroz) em 1908 em sua propriedade, onde paira uma assustadora lenda. O principal suspeito é o marido, Martin. Após sofrer a prematura morte da única filha, ainda criança, o casal se distancia e não consegue manter a normalidade da pacata vida rural onde vivem desde que nasceram. A situação se amplia a ponto de nenhum dos dois se reconhecer, a loucura espreitando seus destinos trágicos.
O livro é considerado de terror por abordar como se faz para que um morto, que eles chamam dormente, volte a viver. Mas pouco da trama é chocante a ponto de apavorar o leitor, na verdade a ansiedade em chegar ao desfecho é crescente porque o terror acontece gradualmente e num ritmo ágil que me encantou. Além do drama da mãe que perde a filha, conhecemos seu passado familiar, uma história pontuada pela dor de perdas e desencontros.
Paralelamente, conhecemos a história de Ruthie, uma garota cuja mãe simplesmente desaparece sem deixar vestígios. A ajuda vem do namorado a princípio e segue com o apoio da única irmã, uma menininha, que acaba invertendo os papeis. Investigando o paradeiro da mãe, tudo que Ruthie conhecia sobre si mesma vira de cabeça para baixo e ela precisa encarar seus maiores medos. Para se juntar à aflição das garotas surge Katherine, também abalada pela morte do marido fotógrafo e do filho pequeno. Mudando-se para a pequena cidade, a moça busca respostas às perguntas que restaram da última noite do marido antes de um acidente fatal e uma pista, o registro da conta paga num café numa cidade da qual nunca tinha ouvido falar, sugerindo um encontro dele com mais alguém, a cidade que ela escolhe para viver seu luto.
Cada capítulo se alterna entre o diário de Sara, as impressões de Martin, a busca de Ruthie e a saga de Katherine rumo ao desconhecido. Fala muito de amor, de apego, de como as pessoas lidam com a morte e como refazer a vida após tragédias imensas das quais sobreviver é mais que uma opção.
Recomendo a leitura. São 348 páginas de eletricidade gostosa, alguns clichês e uma ou outra falha, mas que não compromete o enredo. Gostei tanto da narrativa de McMahon que já me preparo para conhecer outras obras dela, que mora em Vermont com a família e se dedica a escrever livros de suspense. Ah, e leia no inverno.