sábado, 4 de fevereiro de 2017

O Imperador de todos os males

Pode-se pensar no câncer como um monstro invencível, humanizá-lo na condição de um inimigo a ser vencido e tratá-lo como o pior dos pesadelos, um sinistro espectro que nos sonda como uma harpia, escolhendo suas vítimas do alto. No passado era tão temido que nem se podia pronunciar seu nome - lembro da minha avó se referindo a "àquela doença" ao falar da causa morte de alguém - como se o simples substantivo comum fosse impregnado do poder mágico de atrair tão nefasta má sorte. A Medicina avançou muito nos últimos cem anos, mas o câncer (sinônimo de morte, e morte lenta e sofrida) continua sendo visto como uma entidade única, poderosa e temida, não como o que é: o crescimento descontrolado de células.
Quando a Companhia das Letras lançou "O Imperador de Todos os Males - uma biografia do Câncer" (em 2012), concebido por um médico indiano cuja difícil pronúncia complica sua memorização, Siddhartha Mukherjee (e preciso ler e reler várias vezes para me certificar se escrevi certo), logo me interessei em comprar. A princípio, pode-se pensar que não é uma literatura para muitos - suas 648 páginas impõem respeito - mas o texto flui levemente, mesclando história da Medicina, casos clínicos, o drama das equipes de saúde diante do fracasso de tratamentos, os bastidores dos maiores trabalhos na área, conquistas e curiosidades. Dos primórdios, no Antigo Egito, até os dias atuais, o autor expõe detalhes interessantíssimos de como a comunidade científica busca sua cura e como vem sendo frustrante para os médicos conviver com os limites da ciência diante deste enorme desafio. 
Num daqueles casos singulares, Mukherjee é médico-pesquisador com muito talento na escrita de modo a tornar o que seria uma leitura maçante e restrita a especialistas uma obra fácil de ler e de entender. Admiro a capacidade literária de alguns médicos, como o nosso Drauzio Varella, que conseguem traduzir temas complexos e herméticos, mas tão fundamentais de serem compreendidos por pessoas comuns, pacientes ou não, com a necessária simplicidade. É um médico jovem, porém experiente, nascido em Nova Delhi em 1970, formado em Harvard, especialista em Oncologia, tendo conhecimentos em Biologia e Imunologia.
O livro me prendeu por uma semana, talvez porque gosto de ler sobre medicina. Recomendo àqueles que desejam saber mais sobre a trajetória do câncer até a atualidade. Entretanto, concluí a obra com uma ligeira frustração, já que o nome me fez imaginar algo maior, mais completo e até futurista, à altura do Mito. Claro que meu desejo era ler que estamos muito perto da cura, tão perto como de uma maçã no galho acima de nossas cabeças, porém ainda se caminha em descompasso com a crescente demanda, acompanhando suas poucas pistas. Expectativas altas demais, portanto. Mesmo assim, é um livro especial.
Seu novo livro, "O Gene", também pela Companhia das Letras, está na minha lista de desejos. Trata de outro tema, a hereditariedade, mas se for tão interessante quanto o "Imperador" valerá cada segundo.

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