terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Diário de um Ano Ruim

Descobri Coetzee com atraso, por uma indicação feita pela jornalista e escritora Sônia Hirsch em entrevista ao programa Provocações. Sônia é uma estudiosa sobre alimentação, tenho vários livros dela na estante, e de uma simpatia incrível. Vivo de indicações, sinais, citações, tudo que possa me guiar até um bom escritor, por isso a agradeço. E assim, caminhando sobre a obra deste senhor, cheguei a "Diário de um Ano Ruim", publicado pela Companhia das Letras. Um livro bem diferente, que mexeu com meu poder de concentração como nenhum outro.
Imagine um livro tridimensional, três narrativas que seguem ao mesmo tempo. Temos a história de um famoso escritor, idoso, que se encanta e contrata uma garota casada, Anya, que mora em seu prédio, para digitar seus artigos para um livro polêmico. O marido da moça, que vive num universo completamente diferente do mundo fechado do escritor, tenta levar vantagem nessa relação e coloca a esposa numa situação difícil, em que ela se confrontará com seus próprios limites éticos. Forma-se uma espécie de triângulo amoroso sem ser, um triângulo escaleno, na minha opinião. Personagens ligados, pensamentos revelados, verdades combatidas, e no decorrer das páginas vamos conhecendo melhor a biografia do escritor, sul-africano (como Coetzee) e radicado na Austrália, o marido australiano que cresceu num orfanato e a própria Anya, de origem filipina, compondo assim nosso próprio desenho da trama.
Cada capítulo abre com o título de um artigo e logo abaixo, em notas de rodapé, acompanhamos a evolução de reflexões e sentimentos do escritor e da digitadora, que sente a opressão e a libertação do convívio com os dois homens, questionando-se sobre sua identidade, seus desejos, suas opiniões acerca do que eles próprios defendem.
Gostei muito porque o senti o livro como um chamado sobre a mulher e, sobretudo, sua libertação. Não espere adrenalina, paixão, tragédia, fortes emoções, portanto é uma leitura tranquila, embora inquieta. Trata do ser humano enquanto sociedade e, curiosamente, como o animal que é, um animal sofisticado, racional, porém ainda movido por instintos primitivos.
Comecei a ler outro livro de Coetzee, "Elizabeth Costello", que espero seja tão interessante quanto, também publicado pela Companhia das Letras.
Vale lembrar que J. M. Coetzee recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário