terça-feira, 7 de março de 2017

Navegar é preciso

Manter-se um homem bom tem seu preço e o preço costuma ser alto.
Um homem bom se esforça continuamente para se adequar ao que ele imagina que os outros esperam dele: um exemplo bem-sucedido de força e coragem. E no meio desse embate entre a imperfeição do ser humano e a exigência do ser social, o próprio self, o eu verdadeiro, pode se perder.
Quando resolvi ler "No Mar", do jornalista holandês Toine Heijmans, publicado pela Cosac Naify, um livro fino, de apenas 157 páginas, meu único desejo era me distrair com uma aventura em alto-mar. A sinopse me cativou: um pai, Donald, leva a filha, Maria, de sete anos para uma viagem curta a bordo de seu veleiro Ishmael, último trecho de sua viagem sabática de três meses em alto-mar. Mas, inexplicavelmente, a menina desaparece no segundo dia, quando começa o martírio do pai.
O livro tem tudo. A aventura que eu desejava, o suspense, o drama. Heijmans escreve sua primeira (e premiada) obra com o brilho da simplicidade e mantém a agilidade de jornalista. Quando vi já estava na metade. Mas "No Mar" tem outra coisa, mais preciosa: é um relato profundo e sensível do homem moderno. Há muitos livros que retratam o drama da mulher - suas escolhas, a dupla jornada, a maternidade, a opressão da cultura machista... - mas poucos se ocupam do universo masculino, com suas dores e anseios.
Donald deseja ser um bom pai, um bom marido, querido e aceito pelos colegas de trabalho, reconhecido pela chefia, mas deseja ir além e espera que o mar lhe proporcione isso. Navegar é a prova máxima de coragem e ele se agarra à tranquilidade das rotinas preestabelecidas (atualizar a previsão do tempo, olhar a carta náutica, conferir todos os itens de segurança) como um Dom Quixote desesperado diante do desconhecido. Acima de tudo, Donald não pode dormir, precisa se manter atento para permanecer vivo, zelando pela filha, e receber seu galardão ao final da epopeia. Assim, navega.
Contudo, a presença da filha desestabiliza a segurança dos pequenos rituais, foge ao controle. A imagem da esposa, Hagar, ansiosa, à espera no porto, o torna vulnerável e fraco diante dos acontecimentos. Como o mar, o feminino o oprime e exige demais. Esse mar, tão vasto e intenso, tão livre e absoluto, é também aterrorizante. E ele precisará encarar a si mesmo em sua verdadeira face.
A bordo de seu Ismael (não por acaso homenagem ao único sobrevivente no clássico Moby Dick), Donald naufraga na vida em busca de si mesmo como um herói, mas o mar lhe impõe outros rumos.
Uma leitura fascinante.

(PS.:  Muito legal a diagramação dos capítulos, como ondas, e o prefácio assinado por Cristovão Tezza, uma grata surpresa)

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