domingo, 1 de fevereiro de 2015

Tempo é Dinheiro




    Admiro o trabalho da escritora Lionel Shriver pela capacidade que ela tem de construir personagens que poderiam ser eu ou você, comuns, mas que se revelam tão especiais. Humanos, banais, mortais e singulares.
    "Tempo é Dinheiro" me fisgou pelo tema: morte. Sou atraída pela morte, leio sobre a finitude, não no sentido mórbido, mas no sentido libertador da palavra. A morte é, até mais que o sexo, um assunto difícil. Talvez seja nosso último tabu. Acomete a todos, mas todo mundo finge que só vai acontecer com os outros. Voltando ao livro, a obra utiliza a morte como tema principal, mas, na minha visão, aborda principalmente as escolhas. 
    Ao contrário do que li em muitas sinopses, não acho que se limita a ser uma crítica ao sistema de saúde norte-americano. Shriver se utiliza desse cenário para tecer o dilema do personagem principal, o bom Shep, que sonha escapar da mediocridade de um emprego que detesta e finalmente realizar seu sonho de viver num lugar simples, natural e belo. Um desejo prorrogado, adiado, em nome da passividade segura, da covardia que lhe serve de abrigo e das escolhas que fez. Esse lugar tem nome: Pemba, na África, continente que conheceu ainda criança ao lado do pai, um pastor, eternizado em suas lembranças.
    Como tantas vezes na vida, principalmente quando a meia-idade se aproxima, cresce o desejo de Shep de concretizar seu sonho, planejado há tempos e razão de um dinheiro guardado numa conta secreta para esse fim. Ele vende sua empresa, mas acaba ficando mais um pouquinho, como empregado, suportando humilhações e pressões do seu ex-empregado, agora patrão. O limiar de tolerância chega a níveis estratosféricos e quando ele, pressionado por si mesmo, resolve finalmente romper com a sofrida cadência de dias insuportáveis e anunciar sua libertação, para alegria de seu melhor amigo, quem sabe o único, uma mudança se impõe. Ele compra as passagens para ele e sua família, pede demissão, faz as malas. Quando anuncia à esposa, Glynis, sua decisão, ouve dela que está seriamente doente e precisa, mais que nunca, do plano de saúde da empresa. Shep então precisa decidir o que lhe é mais importante e o caminho a seguir.    
    Acho que este é um livro ensolarado, por mais contraditório que isso possa parecer, já que aborda a morte. Sim, a leitura é monótona às vezes, muito detalhista e chega a ser até arrastada. Mas compensa cada página para leitores que se interessam por questões humanas. Esperava muito pesar, porém o livro me pareceu alegre e cheio de esperança como uma fábula. Mesmo nos momentos mais densos, o tom é de humor, por vezes negro, ácido, mas sempre presente. Talvez seja esse o desafio: rir das coisas que nos metem medo, como me sugeriu certa vez uma sábia amiga psicóloga.
    "Tempo é Dinheiro" não gira somente nas adversidades da família de Shep, mas envolve um núcleo secundário, a família de seu melhor amigo. Fala de pessoas, do que realmente somos para além do nosso mundinho particular. Fala de amor, medo, coragem, verdade, abordando o casamento sob uma ótica nova, o lado B da promessa de sermos fieis "na saúde e na doença, na alegria e na tristeza" que ninguém quer experimentar.
    Shriver, mais uma vez, não me decepcionou.

    ("Tempo é Dinheiro", Lionel Shriver. Editora Intrínseca)  

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário