domingo, 1 de fevereiro de 2015

Dupla Falta


"Dupla Falta", assim como outros livros de Lionel Shrider que tive oportunidade de ler, evoca nossos próprios sentimentos humanos quando ela disseca personagens comuns, banais, que poderiam ser nós mesmos porque já passamos por isso (principalmente quando se tem, como eu, mais de 40). Quando falo nós, refiro-me especialmente às mulheres. Porque Willy é a personagem central do livro, uma tenista jovem que se vê entre viver um grande amor e seguir uma carreira brilhante contrariando todas as probabilidades. Se dependesse do apoio da família, idade, condição financeira, já estaria fora das quadras, ou melhor, nem teria entrado. Mas a moça foca seu objetivo e luta para chegar entre as melhores. Jovem demais para a vida, no limiar da velhice para o esporte, Willy se concentra de forma hercúlea na base do seu mundo idealizado: o tênis, e se confunde com ele. Não há mais limites, eles se fundem numa coisa só.
Mas eis que surge na sua vida organizada, segura e metódica, criada sob medida para um fim específico (a vitória), um rapaz chamado Eric que - bingo! - adora jogar tênis. Não como ela, amalgamada no esporte, mas sob um olhar diferente: autônomo, independente. Seguro de si, ele tem tudo que Willy não tem (apoio da família, dinheiro, um corpo mais forte) e vê o tênis como um meio para a felicidade, não como um fim em si mesmo. Enquanto a paixão começa sorrateira a se infiltrar pelo universo de Willy, transformando-se num amor irresistível, sua própria autoimagem é posta à prova.
Confesso que "Dupla Falta" foi o livro mais leve de Shrider que eu li, depois do soco no estômago que é "Vamos Falar com Kevin" e do afago que me deu "Tempo é Dinheiro". Mas é de uma leveza estonteante, arrastado como o cotidiano feminino. A autora diz, logo no começo, que se trata mais de um livro sobre casamento do que sobre tênis, o que é verdade - portanto, esqueça o linguajar e expressões técnicas e regras, são somente pano de fundo para um assunto mais profundo: a condição feminina. 
Eu diria que é mais um livro sobre as escolhas que as mulheres fazem e, mais ainda, sobre uma questão que me debato faz tempo: por que insistimos em nos condenar ao "ou" quando poderíamos, como os homens, optar pelo "e"? O que está por trás do sacrifício? Ou do próprio amor? São questões que refletimos no decorrer do livro, pois Willy e Eric são polos semelhantes por compartilhar o gosto pelo esporte, temperado com histórias diferentes, personalidades plurais e propósitos de vida únicos. O desafio parece ser o próprio cotidiano, sobreviver às próprias exigências (mais que às dos outros), ter e exercitar empatia, o amor incondicional. Lemos o livro como se assiste a uma partida de tênis - quem sabe se identificando com um jogador e torcendo pelo outro, como foi meu caso. 
Falar do texto de Shrider é dispensável, visto que ela é mestra na linguagem fluída, ótima como sempre na construção dos capítulos. A leitura não cansa, mas também não empolga como num thriller. Segue o ritmo da vida com seus altos e baixos.
Recomendo o livro para amantes de obras que nos empurram para além da superfície da água, revelando o que buscamos esconder sob a máscara social. Valeu para mim. Emergi de suas páginas mais leve e verdadeira. 

("Dupla Falta, Lionel Shriver. Editora Intrínseca)

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