domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Livro do Cemitério - Neil Gaiman



Famoso pela série Sandman e referência em histórias em quadrinhos, o inglês Neil Gaiman escreve geralmente para crianças e adolescentes sobre temas incomuns como mitologia e terror, mas também produz livros em prosa e poesia para pessoas de todas as idades. Gosto da sua linguagem simples e fluída, mais ainda da criatividade e imaginação.
Depois de ler "O Oceano no Fim do Caminho", comprei "O Livro do Cemitério" pelo tema central: a morte. Achei interessante a sinopse. A história gira em torno de um bebê que sobreviveu à execução da família ao, casualmente, chegar a um cemitério próximo, onde foi salvo e adotado por seus estranhos habitantes para crescer e, enfim, desvendar o que motivou o homicídio. O problema é que ele, mesmo sendo protegido por aquela comunidade esquecida, vivendo em harmonia com os mortos, um dia terá que enfrentar a vida fora do cemitério e o perigo que nunca o deixou, assumindo sua condição de vivo. 
Do crime hediondo, descrito nas primeira páginas do livro, somos levados a conhecer Jack, o homicida. Contrariando todas as possibilidades, o vilão não consegue finalizar seu trabalho porque o caçula da família escapa engatinhando para a rua e de lá para o cemitério. Quando as criaturas fantásticas percebem a chegada da criança que está com a vida em risco, elas se reúnem e decidem, por regras próprias, se devem ou não ajudá-la, o que implica em aceitar algo novo. Receber o bebê, e mais que isso, adotá-lo, como deseja um casal de fantasmas que logo se candidata, exige a exposição de um universo fechado, secreto, o universo dos mortos e dos seres não-humanos, à convivência com os vivos. Mas o amor e a solidariedade vencem a autoproteção.
Engraçadas são as formas que os fantasmas e seres deste mundo paralelo encontram para satisfazer as necessidades do menino, que passou a ser chamado de Ninguém Owens, como o aleitamento, por exemplo. Eles vivem em suas tumbas e não necessitam, como os mortais, de comida, escola e trabalho. Vivem um cotidiano repetido, lembrando do quem foram em vida, e o menino se desenvolve neste cenário, aos cuidados dos pais fantasmas adotivos e sob a proteção de um tutor, Silas, que não é morto, nem vivo. Silas passa a amar o menino de tal forma que o prepara para a independência e a inevitável dor da partida (se para nós morrer é partir, para Owens viver é partir).  
Aos poucos, o menino cresce sob a tutela de seres fantásticos até que terá de esclarecer e encarar sua vida de mortal, decifrando enigmas e construindo sua história. Surgem figuras femininas para acompanhá-lo nesse processo de amadurecimento. 
O medo de Owen não é da morte, como todo mortal, porque para ele a morte é aconchego e segurança, o que lhe é familiar e querido. Seu medo é da separação. Mas sob as mãos afetuosas dos mortos e de Silas, seu mentor e guardião, ele terá que desenvolver a coragem de romper com o conhecido, avançar os limites do cemitério num caminho inverso ao que fez quando bebê, e aprender a viver.
Um presente ao leitor são as belas ilustrações que acompanham os capítulos, feitas por Dave McKean.
Acho que o livro é uma linda fábula sobre o amor incondicional, as perdas necessárias e a tolerância com as diferenças, abordando a morte de um ângulo ingênuo e até lúdico, mas muito delicado. Amei.

("O Livro do Cemitério", Neil Gaiman. Editora Rocco, selo Jovens Leitores)

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